sexta-feira
terça-feira
Saiu Para A Rua
Saiu decidida para a rua
Com a carteira castanha
E o saia-casaco escuro
Tantos anos tantas noites
Sem sequer uma loucura
Ele saiu sem dizer nada
Talvez fosse ao teatro chino
Vai regressar de madrugada
E acordá-la cheio de vinho
Tantos anos tantas noites
Sem nunca sentir a paixão
Foram já as bodas de prata
Comemoradas em solidão
Pôs um pouco de baton
E um leve toque de pintura
Tirou do cabelo o travessão
E devolveu ao rosto a candura
Saiu para a rua insegura
Vageou sem direcção
Sorriu a um homem com tremura
E sentiu escorrer do coração
A humidade quente da loucura
Carlos Tê e Rui Veloso (Ar de Rock)
A gente não lê
Ai senhor das furnas
que escuro vai dentro de nós
rezar o terço ao fim da tarde
só para espantar a solidão
rogar a deus que nos guarde
confiar-lhe o destino na mão
que adianta saber as marés
os frutos e as sementeiras
tratar por tu os ofícios
entender o suão e os animais
falar o dialecto da terra
conhecer-lhe o corpo pelos sinais
e do resto entender mal
soletrar assinar de cruz
não ver os vultos furtivos
que nos tramam por detrás da luz
ai senhor das furnas
que escuro vai dentro de nós
a gente morre logo ao nascer
com olhos rasos de lezíria
de boca em boca passar o saber
com os provérbios que ficam na gíria
de que nos vale esta pureza
sem ler fica-se pederneira
agita-se a solidão cá no fundo
fica-se sentado à soleira
a ouvir os ruídos do mundo
e a entendê-los à nossa maneira
carregar a superstição
de ser pequeno ser ninguém
e não quebrar a tradição
que dos nossos avós já vem.
Carlos Tê e Rui Veloso (Fora de Moda)